Literatura

Sonho

imagem: Cassiano Rodka

“Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo”

Renato Russo

Suava algo diferente quando despertou na manhã fria. Tinha sido o pior sonho. Sonho ruim é sempre pesadelo? Não queria se desprender dali, nem dele mesmo. Queria só desprender-se daquela avalanche de coisas que estava sentindo. “Acho que até chorei, sabe?”. Ainda estava um pouco lá, parecia recém ter saído da imagem. Coisa de doido. Sabe aquele negócio de sonhar que se está nu no meio da rua? Sabe? Quando a sensação do sonho é tão real que a carne dói? Que tudo dói? Que o pensamento dá voltas e nada se explica? Sabe? Isso mesmo. Foi bem assim.

Estava correndo de carro feito louco, em alta velocidade. E nunca corria. Nunca. Correr não era com ele. Mas naquele dia tinha que correr. Queria correr. Nem sabia a razão, só queria correr. Mas quem disse que ele era ele mesmo? Era um sonho. Em sonho é assim: ou você pode ser você mesmo ou o Gael García Bernal. Depende da sua vida naquele momento.

O barulho foi de cegar. “Já vi muito barulho cegar muita gente”. Mas igual àquele não dá pra esquecer. Ficou tudo tão quieto logo depois, que só se ouvia silêncio. Silenciado estava ele. Era tudo parado ao seu redor, era tudo girando ao seu redor. Era gente indo e vindo. Era gente congelada, porque em sonho tudo congela, às vezes. É assim mesmo.

Olhou para baixo e viu-se sem pernas. O grito veio forte demais pra que pudesse sentir. E a sensação era exatamente aquela que se tem uns segundos antes da montanha-russa despencar, pra quem tem medo de montanha-russa. Respiração parada, cortada. Coração fora do peito. Vendo o vermelho dele pulsando em sua frente. Só sabia que podia voltar. “Quero voltar”.

E voltou. Voltou. “Voltei!”. No exato instante em que descobriu que o sonho era sonho, naquele momento em que o despertar o aliviou, a sensação foi como a de beijar a boca de alguém que se quer muito. “Me beija”.

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